sexta-feira, 14 de novembro de 2008
LEITURA OBRIGATÓRIA: Mario Faustino
Piauiense, de Teresina, iniciou-se como cronista na A Província do Pará, aos 16 anos. Foi bolsista na Califórnia, de 1951 a 1952, estudando a literatura de língua inglesa. Trdutor da ONU, NY, 1959-1960. Autor de um só livro – O Homem e sua Hora (Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955) e de poemas esparsos, publicados em revistas e jornais. Notabilizou-se como crítico literário no SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil) com a seção Poesia-Experiência, no auge dos movimentos concretista e neoconcretista. Traduziu Ezra Pound ao nosso idioma. Faleceu vítima de um acidente aéreo nos Andes peruanos, em missão jornalística. A Global Editora, de São Paulo, publicou os seus “Melhores Poemas”, selecionados por Benedito Nunes, merecendo várias reimpressões.
INTERTEXTUALIDADE
Faustino explorou como poucos — certamente atingindo resultado único — a chamada intertextualidade, numa definição rápida para tema tão abrangente, é o "diálogo" entre textos e pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois implica a identificação de remissões a obras ou a textos de outros autores menos, ou mais conhecidos. Reparem, a propósito da intertextualidade e das categorias poundianas, o poema “Ego de Mona Kateudo”, que segue adiante (sirva o texto de caso exemplar para que apenas se comece a entender Faustino, que é o propósito deste texto; impossível ser suficiente nesse caso). Vamos ao poema, que integra o grupo “Sete Sonetos de Amor e Morte”:
Dor, dor de minha alma, é madrugada
E aportam-me lembranças de quem amo.
E dobram sonhos na mal-estrelada
Memória arfante donde alguém que chamo
Para outros braços cardiais me nega
Restos de rosa entre lençóis de olvido.
Ao longe ladra um coração na cega
Noite ambulante. E escuto-te o mugido,
Oh vento que meu cérebro aleitaste,
Tempo que meu destino ruminaste.
Amor, amo, enquanto luzes, puro,
Dormido e claro, eu velo em vasto escuro,
Ouvindo as asas roucas de outro dia
Cantar sem despertar minha alegria.
O título, que Faustino escreve em grego no manuscrito, é uma citação de um verso de Safo de Lesbos, uma de suas referências constantes: “Déduke mèn a selánna/ kái Pléiades; mésai dè/ núktes, parà d’ erchet’ óra,/ égo dè móna katéudo” (“A lua já se pôs, as Plêiades também;/ É meia-noite;/ A hora passa, e estou deitada, sozinha”). A solidão expressa no verso sáfico, que nomina o poema, será então desenvolvida no soneto, cujo título em português seria, na tradução escolhida, “E Estou Deitada, Sozinha”. As palavras que pontuam o poema informam a condição do “eu” cuja dor não pode ser percebida por ninguém: madrugada, lembranças, memória, vento, tempo, escuro. Por mais confessional e passional que se mostre o poema, mantém intacto o eixo de significados. Não pode haver bom poema com seleção ruim de palavras.
Nesse, como em outros poemas, ninguém como Faustino usou tão belamente o enjambement, aquele recurso em que o sentido de um verso, traduzido mesmo por sua complementação sintática, se realiza no verso seguinte: “E dobram sonhos na mal-estrelada/ Memória arfante donde alguém que chamo”. No papel, as rimas estão dispostas ao fim de cada verso, num entrelaçamento que tem história na literatura, mas convencional de qualquer modo. Se o poema for declamado segundo a demanda da sintaxe e do sentido, o que é rima final assume a característica de rimas internas, que, por sua vez, vão se compondo com rimas e assonâncias internas a cada verso, num ritmo vertiginoso: minha alma/ madrugada; aportam-me/ lembranças; dobram/ arfante/chamo.
O ritmo que Faustino impõe a seus versos vai constituindo, por assim dizer, uma espécie de base harmônica sobre a qual ele superpõe uma melodia do estranhamento, que se dá já no terreno das imagens: outros podem ter feito sonetos tão técnicos quanto ele; outros podem ter sido tão rigorosos na escolha do eixo vocabular quanto ele, mas ninguém soube ser tão original na elaboração das figuras, na composição de metáforas de tal sorte únicas, que sua poesia corresponde mesmo a uma verdadeira reeducação da percepção. Vejamos: “aportam-me lembranças”; “mal-estrelada memória arfante”; “braços cardiais”; “noite ambulante”; “vento que (...) aleitaste”; “tempo que (...) ruminaste”; “ouvindo as asas roucas”. Curiosamente, a metaforização que reeduca o ouvido, que instaura um novo sentido para as palavras, também as
devolve a seu sentido original. Em Faustino, o extremo da subjetividade encontra a plena objetividade.
(Texto originalmente publicado na revista Primeira Leitura nº 8, de outubro de 2002, e que integra o livro Contra o Consenso, Editora Barracuda)
Sinto que o mês presente me assassina
Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
sobre homens nus ao sul das luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio,
Amen, amen vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
(Mário Faustino. O Homem e Sua Hora e Outros Poemas. Organização de Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Cia. das Letras, 2002)
Questão:
O escritor Assis Brasil pertence à literatura brasileira. A lista abaixo apresenta, respectivamente, escritores da literatura brasileira e obras que também são, com
uma EXCEÇÃO. Assinale-a:
a. ( ) José Saramago; - Conto Embargo.
b. ( ) Mário Faustino – O Homem e sua Hora;
c. ( ) Alphonsus de Guimarães; Canto Geral
d. ( ) Inglês de Sousa; Conto Voluntário
e. ( ) Graciliano Ramos; Vidas Secas
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